Quando hoje, dez anos depois desse episódio, nos encontramos no mesmo shopping de sempre, no horário costumeiro, no nosso restaurante preferido, eu quase nunca paro e penso: caralho, eu conheço essa criatura como a palma da minha mão. A gente senta, muito elegantes, agora graduandas, empregadas, ex ou atuais namoradas e discorre fofocas de gente que eu nem me lembrava mais que conhecíamos. Perguntamos pela família uma da outra, como se fosse a nossa segunda. Rimos de alguns episódios, eu choro porque ando sensível e é quase sempre esse o meu papel: de me debulhar porque sempre tem alguma área da minha vida onde a coisa tá crítica e quando começo a falar as lágrimas simplesmente caem, não é culpa minha, prometo. Ela pede uma porção de onion rings porque saí ventando de casa e esqueci que comeríamos por lá. Eu a ajudo a achar presentes, o sapato ideal, um brinco que não custe quase o nosso mirrado salário todo e combine com a roupa planejada pra daqui alguns dias.
Houveram fases críticas, porque afinal, dez anos de amizade é mais comemorável que uma década de namoro hoje em dia, convenhamos. Não fomos à formatura colegial uma da outra. Ficamos dois ou três meses sem se falar. Reatamos apenas passada a fase high school em crise, mais amadurecidas, escoladas. Morremos de ciúme quando homens se meteram no meio, quando apareceu algum que tocasse mais e se grudar nos namorados em cada um dos começos aconteceu. Tomamos porres homéricos, discutimos mais de mil vezes se fossemos contar, pensamos absurdamente diferente e ao mesmo tempo de forma muitíssimo parecida. Nunca fomos colegas, mesmo hoje não tão grudadas quanto antigamente, quando alguma merda acontece a sofredora sempre diz "mas tu sabe como eu sou, né?" e a outra balança a cabeça, sim. A gente simplesmente sabe. Por algum tempo cheguei a pensar: a gente escolhe quem participa da nossa vida a todo momento? Quem é que vai estar simplesmente ali, pouco importa o que aconteça? E aos trancos, arrebatamentos, solavancos dessa vida, os amigos-irmãos são pessoas que a gente não escolhe, mas que nos selecionam sem avisar pra apenas emprestar um pijama porque você esqueceu, ir dormir tarde, contar aquelas barbaridades que apenas uma intimidade enorme de anos suportaria.
Ela vê uma loja onde acessórios vintage são a minha cara, me diz. Eu torço pra que ela retorne logo e a gente combine qualquer dia da semana o mesmo encontro, no mesmo shopping, no restaurante habitual, quase sempre no horário de sempre. A gente não coloca mais salto e se enche de maquiagem, mas saímos de sapatilha e vamos a pé mesmo e discorrendo com ansiedade os últimos acontecimentos. Não tem mais o glamour das festas caras, dos táxis rachados, dos boys que duravam apenas algumas noites. Tem uma admiração mútua, um respeito filho da puta, o mesmo carinho de uma agenda esquecida em que uma encontra, liga pra outra e diz qualquer coisa como: "tá vindo? eu já tô pronta". E nenhuma diz, mas estamos sempre preparadas pra fazer perdurar um carinho tão grande como esse - mesmo transformado quase em família, justamente por esse motivo: enraizado, florescente.
Uma dezena de anos acordando tarde demais, indo dormir quase sempre antes do sol nascer, de se emprestar roupas e usar o make errado e chutar o balde quando as coisas não andavam lá bem como era do nosso desejo. Dez doze meses e mais alguns de conselhos desperdiçados, segredos intimados, fases distintas, caronas e ônibus e a gente caminhando pra ser duas adultas com futuros promissores, com as trocentas dúvidas sanadas, com uma amiga de anos pra vida. Íntimas.
Ai guria, que texto lindo! Me vi diversas veze dentro dele e que sensação leve ele me trouxe.
ResponderExcluirParabéns!
LINDO, LINDO, LINDO! Como é bom ter uma amiga assim!
ResponderExcluir"A gente simplesmente sabe. Por algum tempo cheguei a pensar: a gente escolhe quem participa da nossa vida a todo momento? Quem é que vai estar simplesmente ali, pouco importa o que aconteça? E aos trancos, arrebatamentos, solavancos dessa vida, os amigos-irmãos são pessoas que a gente não escolhe, mas que nos selecionam sem avisar pra apenas emprestar um pijama porque você esqueceu, ir dormir tarde, contar aquelas barbaridades que apenas uma intimidade enorme de anos suportaria." Que lindo Camila como é bom poder contar com uma amiga assim. Amei, amei, amei.
ResponderExcluirChorando! Perdi umas amigas no ensino médio, não sei exatamente por que, só sei que acabou e isso me deixa triste!
ResponderExcluirAmei o texto e desejo que essa amizade liiinda permaneça por muiiiitos e muiiitos anos!
Amizade assim é presente divino! Lindo texto!
ResponderExcluirAmei o texto :D
ResponderExcluirLindo texto! Como sempre, Camila :D Parabéééns!
ResponderExcluirTexto lindo , é sempre bom saber que podemos contar com alguém em qualquer situação da vida.
ResponderExcluirAdoro quando você coloca palavrões de uma forma tão doce, mesmo que de uma forma forte. Rs
ResponderExcluirSeu texto é lindo, sua amizade mais ainda. Parabéns "Calmila".
"Parabéns" porque ter uma amizade assim, hoje em dia, é digno de honra! Rs.
ResponderExcluirParabéns pelo potencial de seu blog, e do conteudo que ele nos passa. Não sei se podia mais postei um texto seu no meu blog.
ResponderExcluirMais não se preocupe pois coloquei créditos.
Beijoos. :)
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