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| Na foto, Kate Winslet relendo e se machucando |
Deixar o sonho vagar é soltar
o balãozinho de um gás que nas manhãs de quinta quase sempre me falta. Eu vou
comendo as beiradas de todas das minhas unhas na fé de que alguma coisa bem legal
pinte no meu cérebro fixada, despretensiosa, animação. Há semanas em que eu
sinto a enxurrada de opiniões, desejos e falas entupir todos os bueiros das
minhas horas, sempre neurótica. Noutras, nubla e abre sol, eu vou umas três
vezes ao mercado, demoro quinze minutos pra escolher uma porcaria de
condicionador e seguro o ódio próprio que é gastar pra tapar buracos
internos.
Tenho tentado desesperadamente criar rituais que me lembrem
da importância da escrita, dessa cura maligna que ao mesmo tempo enfeita e
envenena os meus quadrinhos. Essa é a minha chance de contar o lado lânguido da
história, de deixar claro que sou gótica porra nenhuma, que a gente poderia
estar transando agora - sempre - mas melhor é que eu fique aqui mesmo com os
dicionários, me lambuzando no prazer dos sinônimos, fumando um cigarrinho de
chocolate logo depois do orgasmo que é texto pronto.
Reler, porém, revisar o gozo
todo como quem cata pelo em ovo ou tenta descobrir se a transa valeu ou não;
dessa dor eu me abstenho. Ou abraço essa menina que escreve verdades e espanta
os homens que quer sair pra brincar nos sábados arrastados ou mato essa
personagem caricata que uso de máscara mesmo quando ainda não é carnaval.
Hoje eu sei que unhas lascam com facilidade e
a mesma louça que dá boas frases de efeito ofusca o brilho do esmalte recém
pintado. Há quem mate, quem coma, quem roube, quem meta a boca: a minha paranoia
devora com uma vontade assustadora todos os resquícios de carne em volta dos
dedos. E pouco lê de novo o que já escreveu pra não sofrer um dobrado e parar
por aí. A mesma dá aval a seus dedos para se automutilar é a que segura as pontinhas todas de guardanapos, bloquinhos e frases soltas pelo celular pra não deixar cair forninho nenhum mais tarde; apenas espera a hora do bolo ficar pronto.

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