Desluzidos

4.01.2011 -

Eclipsaram-se as barreiras e os preconceitos. Dentro de mim, vi florescer como num rompante quem sabe o mais inesperado dos sentimentos. Aquele que faz olhar pra lua com ternura e insensatez, a fim de se perder num final de noite, quinta-feira, dia de semana; banal no calendário. Seria assim do outro lado da cidade, pela sacada do seu também pequeno apartamento com vista bonita e vizinhos de classe? É o seu coração, pedaço de terra que habito aos poucos - e quero percorrer todinho - quem me aquece nas noites em que o calor com cobertor e insuportável e frio de rachar, sem. Livre no peito, me mostrando que pulsa e há estadia, caso queira ficar? Sem o estigma obscuro daquele tempo já primórdio, agora algo que nasce e aos poucos, cuidadosamente - sem e com todos os sentidos e sintomas existentes nessas paixões sem freio. E que por certo, me acomodo a saber cuidar para que não morra após tanta vigília.
Dessa surpresa de o ver quem sabe contente, também ao meu lado e fortificado nisso que regamos todo santo dia, em especial as sextas-feiras, que é quando podemos nos afogar no colo um do outro sem que as horas matutinas gritem e nos ensurdeçam com pesar, a magia fundamentada. Perene. Descobrir a cada novo dia alguma outra faceta inimaginada sua: e o amar ainda mais, a cada feição agregada. Acompanhados, a certeza que depois do fenômeno da noite em que, despidos, completaram-se, nunca mais os mesmo de antes. Os mesmo, em diante. Há tanto pedira o que parecia então, o sonho realizado, que via os devaneios daquela viagem, os planos daquele curso, todos interceptados. Conectados. Era amor em suma, e fugir, como covardia configuraria nas atrocidades muda frente à candidez disso que brota no peito e enraiza na mente. Sem chances. Quando encoberta pelos braços abrasadores, cálidos instantes, sabia que como diria Adélia: se ele convidasse a dar uma voltinha no inferno, iria. Eu moça letrada, estudiosa. Ele, malandro da vida. Encontro exato da rainha de delicadezas e feminices, com o soberano de aventuras, selvagerias e inconsequências. A fusão da minha loirice espraiada em suas amenidades morenas, bordas desenhadas; quase uma pintura. Onde ele vai de bicicleta, faço questão de ir de carro. Rapaz saudável que é, e sua dieta rica em exercícios e naturalidades. Enquanto eu, mulher de cidade grande desde o nascimento, o consumismo sem freios, a praticidade nos pequenos detalhes. Em tudo, contrários: desde o time de futebol, signos,  descendência familiar, gosto musical até a religião - ele, agnóstico. Católica que sou, fascinada em tamanha compreensão, diante do incongruente. No meio da surpresa de que o diferente poderia ser também ótimo e interessantíssimo, as barreiras no caminho (vencidas).
Eclipsamos, em primeiro lugar, um, ao outro: ele, que é totalmente quente e de vibração calorosa me atenta e esquenta, que sou fria e irradio apenas quando desejo, ocasionalmente transgrido e radicalmente, vou ao ponto oposto. Juntos então, completos. Impostos. Tapando apenas o que há de negativo um no outro, porque a nuca estremecida, as entrelaçadas mãos que insistem em não soltar, fundidas, reconhecem-se exatas.

(Protótipo de um conto para uma aula. Que fique claro no final, ao menos)

14 Comentários:

  1. Como eu ainda me impressiono aqui Camila. Na fase que estou, suas palavras condizem perfeitamente. Tentando conciliar as diferenças, mesmo assim, é irresistível.

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  2. Gosto muito do modo como escreve, acho incrível como encaixa milimetricamente uma palavra em cada sentimento. Mega coerente! Um beijo :*

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  3. Camiiila, voce recebeu o email q te enviei? beiijos :*

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  4. Menina,
    Lispector, se fosse viva, teria de ti orgulho.

    http://poiseah.blogspot.com

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  5. Todo ser humano tem um imenso fascínio pelo que lhe é diferente. Acredito que a mulher é ainda mais dona desse fascínio que o homem.

    Todas buscamos a aventura, a adrenalina correndo nas veias. Mas na vida a dois, por mais aventureira que seja, sempre aparecem as barreiras. E por mais difícil que seja transpô-las, são elas que nos levam a aceitar essas diferenças, que nos impulsionam a buscar dias melhores com a pessoa que tanto amamos.

    No fundo, é desse amante com tantas diferenças que precisamos. Afinal, o que aconteceria se nosso companheiro fosse igual a nós?

    beijos ;*

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  6. Querendo ou não tudo que é diferente nos chama atenção. E até conhecer, provar, sentir não nos damos por satisfeitos.. E será sempre assim, vamos viver em busca de coisas novas e diferentes, pois é isso que enche nossas vida de aventura.
    Mais uma vez PARABÉNS!!

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  7. A dança dos opostos, uma conexão e combinação perfeita...não pelas leis da física, mas pelos sinais de sintonia!

    Belo conto Camila, muito belo!

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  8. Não gosto de dizer aquela frase clichê 'os opostos se atraem'. Detesto clichês. Então digo que as diferenças completam, encaixam, o que sobra em um, falta no outro. Encaixes, encaixes. Ao menos, teoricamente, dá certo. (: Dá certo.

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  9. eu sempre esto lendo o teu blog, e sempre tenho a mesma reação , Inacreditável como você consegue entreter as pessoas com suas palavras , eu leio e sempre recomendo seu blog , depois de Caiu F Abreu e Lispector você é a seguinte na minha lista de escritores perfeitos.
    leia-se , continue sempre!
    beijoss.

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  10. Bom sem tanto clichê. Mas ainda prefiro "os dispostos se atraem". Sejam iguais, parecidos ou diferentes. Tem que ter algo mais que atração ou coisas em comum, tem que ter vontade!

    Gostei muito do texto, só pra variar. ;)
    BjO

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  11. Poesia e paixão em palavras. Mais uma vez encantada com teu texto.

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  12. Acho super bonito ver que mesmo com decepções e desilusões, você ainda consiga tirar de si, textos tão bonitos, sentimentos tão iluminados. Esse é o jeito, um beijo migs, tá lindo.

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  13. Nossa, te fizeram um elogio aqui em cima de arrupiar, hein, comparando à Clarice. Realmente, você e Clarice tem um tipo de escrita minimalista que é muito gostosa de ler, é claro que Clarice ia até às últimas consequências, aos últimos sentimentos guardados.

    Muita responsa pra você, mas não se incomode, pois o seu caminho tá bonito, delicado, atento, intenso.

    Quase perto do coração selvagem.

    Abraços!

    F.

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  14. Que medo de você, xará. Nunca vi alguém descrever tão exata e detalhadamente meu relacionamento assim sem nem conhecer.

    Me identifico muito com seus textos, gosto muito da sua maneira de escrever, se expressar. Venho aqui já tem um tempinho mas era leitora muda, vi seu puxão de orelha no twitter e resolvi mandar um alô hoje!

    beijos.

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