Guia atualizado de conquista para a boa mocinha

3.30.2015 -



Indiferença é primordial, é o básico para a sobrevivência. Demore horas para retornar mensagens. Visualize e responda apenas bem depois (ainda que a sua cabeça ferva até você acione o botão “enviar). O controle, ele precisa ser todo seu. Seja monossilábica. Às vezes querida, noutras uma distraída a fórceps. Ele importa pouco demais. Foda-se se vocês se encontrarem, foda-se. Você nem quer muito, lembra disso? Não? Então cole na testa e se obrigue a fazer do descaso uma arma a seu favor. Treine o desapego; duas vezes na semana, uma horinha por dia. Abrigue a frieza. Calcule passos e palavras mimeticamente. Ser blasé é ser interessante, você não está ainda totalmente nas mãos desse sujeito – amor próprio, amor próprio, amor próprio. Nada de ser dessas capachos paga paus com vontade própria. Sem desafio não há jogo e você quer ganhar, ainda que para brincar sozinha com o tabuleiro no final, correto? Sim, prossigamos.

Deixe as roupas sensuais demais para outra ocasião. Passe a imagem de boa moça despretensiosa e séria, ninguém aqui faz você de boba não, oras. Saias curtas nunca, hot pants menos ainda, finja que nem possui vestidos colados demais. Maquiagem leve sempre, homens detestam olhos marcados e bocas carnudas capazes de os engolir. Batom forte marca o rosto do bofe, melhor evitar. Depile axila, pernas e virilha – mas nunca tire tudo lá embaixo, deixar um bigodinho a difere das mulheres que são capa das revistas masculinas que ele admira vez que outra. Nem pense em estrear aquele fio dental de renda, calcinha boa é calcinha de algodão (e además, quem vai ver hoje? ninguém mesmo, amiga, está louca?). Esteja com as unhas impecáveis, mantenha a raiz bem feita, o corte simétrico. Nunca corte o cabelo curtíssimo, esqueça essa onda de liberar os cachos: melenas sempre alisadas, é assim que eles curtem. Salto alto é importante, mas do tipo agulha é vulgar. Você se dá o respeito, você se ama e não precisa mostrar as curvas desesperadamente, troque aquela foto de biquíni do Whatsapp e nem cogite postar no Facebook, pelo amor de deus. 

Demore cinco minutinhos para descer, mesmo que ele já esteja esperando no carro, parado em frente ao prédio. Ao entrar, fale pouco. Sorria ainda menos (deixar pairar a sensação de que ele precisa se esforçar pra que as coisas sejam legais é importante – ele, nunca você). Ao pegar o menu, aceite o que ele pedir. O que ele quiser está bom (empodere-o, mas apenas para confundir). Opine o mínimo possível – vocês não precisam divergir, certo? Ou melhor, concorde com as ideias e princípios que ele apresentar, qualquer seja o assunto. Beba pouco, em golinhos de princesa. Deixe que ele gesticule e aborde o garçom, acene a cabeça quando a pergunta for: "quer outro drink, querida?". Coma praticamente nada, se você ainda não é magra está atrás disso, sim. Ria das piadas e trocadilhos que ele fizer, ainda que tenha pouquíssima graça ou nenhuma. Ignore o fato de ele se mostrar machista, homofóbico, preconceituoso, um babaquinha - todos temos defeitos, vai que ele é o homem da sua vida? Se não der para segurar a vontade à força e burlar o desejo, beije. Mas com parcimônia, com jeitinho e sem demonstrar qualquer excitação. Você ainda não foi totalmente conquistada, ok? É seguro que ele pense assim. De novo: nada de conforto, ele quer que você o impele à seguir na arena pelejando, o ouro só deve ser entregue quando ele não for mais o bandido.

Segure mãos, mas sem contato físico dos fortes, sem atrito algum mais libidinoso. Libere a mão transpassada em volta da sua cintura, espere ele abrir a porta do carro – aliás, você só sairá com ele caso ele possua um ou a pegue de táxi em casa. Ir ao encontro do rapaz? Jamais! Sente-se comportada, feito uma lady. Essa hora requer uma dureza totalmente racional, firmeza. Nunca dance a música animada que toca no rádio. Desaprenda todos os palavrões e palavras que a masculinizem, apague as experiências todas de um passado lascivo. Em hipótese nenhuma mencione ir para a casa dele, para a sua, para um motel. Entenda que a loja de doces libera apenas uma guloseima por vez e não está nos seus planos entregar tudo de bandeja de primeira. Você se ama. Você se valoriza. Você não é as nega dele e isso precisa ficar claro. Correr atrás de homem é uma alternativa inexistente em nosso clã. Você vai para casa dormir cedo, tirar a maquiagem com toda a sobriedade do mundo grudada nos cílios nada borrados e ir dormir como as boas mocinhas do grupo fazem. Na próxima pode ser que até role uns amassos. Na quinquagésima, quem sabe, sexo. Por enquanto você foi aceita no clube e pode julgar quem quiser, menina de valor, meus parabéns.




Amanda, deixa eu te contar uma coisa

3.27.2015 -
Amanda já livre, dona de si e lindíssima antes de entrar na casa. A foto é do querido Gustavo Tissot pro projeto lindo dele, o Stay Classy

Amanda, querida Amanda. Assisti por anos e anos o reality show em que você está confinada. Era legal analisar comportamentos e acompanhar a vida alheia em momentos de tédio, porém, estou sem televisão há alguns meses - e feliz, e em paz assim. Antes de dormir, criei o ritual de toda noite assistir a um filme diferente. Tem sido enriquecedor. O que tenho lido por aí Amanda, contudo, me fez perder um pouco a paciência com algumas pessoas; sobretudo, o que é mais entristecedor, mulheres.

Amanda, eu sou muito da opinião de cada um faz o que quer dessa vida. Sempre fui e ligo pouquíssimo pro que estão deixando de fazer os outros ou não. Que tenho eu a ver com isso? Acredito eu que nada, certo? Vimos daqui de fora você se apaixonar perdidamente em questão de dias, acompanhamos o cara cagar pra você e pegar outra na sua frente, votamos e escolhemos pela sua permanência para continuar concorrendo ao prêmio no lugar dela. Espectamos a sua reaproximação com o boy, pensamos que fosse amizade, nos envolvemos também na novela mexicana que se tornou a situação toda. Porém, Amanda, depois do primeiro beijo seu e do mozão algumas mulheres fizeram o que sempre acontece na sociedade em situações parecidas com a sua: livraram a culpa do rapaz pra colocar todinha sobre as suas costas. Uma injustiça, a meu ver.

Sabe, Amanda, elas dizem que mulher não pode se entusiasmar tão facilmente. Não assim, jogada aos pés do homem, exagerada talvez e cheia de atitude como você. O que gosto nos poucos vídeos que vejo e nas notícias que leio é justamente essa sua autenticidade. Você se mantém a fim e amorosa, às vezes insegura e instável, atrapalhada e sentimental, mas acima de qualquer crítica, humana. Quem nunca se apaixonou por um cara lixo que não valia metade do esforço? Quem sempre se ilude com o próximo bofe como se fosse último? Muitas de nós, dezenas de nós, algumas de nós. Várias e, ainda que segurando a barra que é gostar de cafajestes, a maioria. Mesmo assim, há mocinhas que possuem a pachorra de dizer que a "vagabunda" é você, que você instigou o rapaz, que ele está necessitado e apenas se aproveitando. Você não tem o direito de gostar de sexo, de estar jogando, de ser de carne e osso e exibir algumas imperfeições. É justamente nesse ponto que eu encontro a sua dádiva dentro da décima quinta edição: 

Amanda, elas falam das suas olheiras e de você ter algumas celulites, elas criticam o seu apetite sexual como se fosse da conta delas, elas dão sermões puritanos baseados naquela tal cartilha da boa mocinha que não tem vontade própria (ou, se a tem, a prende, encarcera quase até findar) e dizem que mulher "de verdade" é mulher que se valoriza, que sua mãe deve morrer de vergonha em casa, que essa carência e pressa pra arranjar homem a fazem grudenta e cansativa. Como se fossem todas misses prontas para um desfile às 4 a.m. de qualquer dia, como se fossem todas ganhadoras na loteria dos amores que dão super certo, como se tivessem se tornado robôs sem coração que marcham a caminho de Oz. Só porque você não se maquia 24h por dia. Só porque você se apaixonou. Só porque você é pura e ainda acredito na sinceridade de paixões crueis e desenfreadas, esses affairs que quase nunca duram uma vida mas fazem existir um verbo que valha a pena.

Eu fico puta, Amanda, eu saio de mim mesma porque por mais que tenha minhas ressalvas quanto a esse moço com quem você está in love, eu sei que se fosse o inverso todos achariam bonitinho e shippariam pra cacete. A torcida ia ser enorme pra que desse certo tanto dentro da casa quanto fora, afinal, homem querendo casar, morar junto e fazer viagem é fofo, já se for mulher chamando pra qualquer uma dessas coisas, é carente. Mexe com as minhas estruturas ver mulheres julgando tão pesado umas às outras como se nunca tivessem amado, se fodido, idealizado, sido felizes. Só você sabe da sensação esquizôfrenica que é estar há meses longe de casa, da família, dos amigos, da sua vida de sempre. Quem assiste até pode dar o pitaco que bem entender mas, ao fim de tudo, é só você com seus somatórios e débitos mesmo - e, tenho certeza que será sabedoria sua fazer do limão uma bela limonada.

Amanda, deixa eu te contar uma coisa, uma última coisinha: eu torço muito pra que você vença o programa, mesmo quase nunca tendo o assistido inteiro e pela televisão em 2015. Eu sempre vou pender pro lado dos transgressores e livres de doer, e acredito que o mundo se divide facilmente entre aqueles que esperam acontecer e os que buscam e vão atrás, sem paciência pra aquilo que a vida vai determinar. Faço parte do segundo grupo de pessoas e, pelo que já deu para perceber, a senhorita também. É algum orgulho ainda agir por si mesma enquanto todos dependem de um padrão. Tenho certeza que, aqui fora, a sua mãe é só alegria em ter você como filha - e eu seria muito sua amiga, muito mesmo. Siga forte e determinada, solta e sorridente, à sua maneira e nem aí pra opinião alheia. Nesse caminho vai ter sol e tempestade, vai ter nevasca e também deserto de vez em quando, mas por mais que fique difícil nunca será entediante; e no final das contas, pra quem vive com toda verdade e coração, é o que importa.







Twist a casaca

3.25.2015 -


Desde cedo, minha mãe ensinou que era coisa feia virar a casaca. Quando o meu time, o Grêmio, ia de mal a pior no final da década de 90, eu quis muito mudar de time. Cheguei em casa da escolinha e, questionadora que sempre fui, lancei à mesa a questão: e então mamãe, eu posso me juntar ao lado vermelho da (momentânea) força? Negativo. Provinda de duas famílias terminantemente gremistas, eu havia nascido em berço tricolor. Que diabos ia eu, apenas euzinha, torcer sozinha pra quem nunca nem havia conquistado a Libertadores ainda, quiçá o mundo? – o que, lembremos bem, ocorreu apenas no ano 2006, amigos coloridos. Enfim, usar o verso do casaco estava proibido, aprendi. Ou não. Plena segunda década do século XXI e eu mudo de Beatle favorito. Sim.

Talvez seja lá coisa pouca pra alguém, mas cresci em meio aos discos do meu pai, adorador de rock bands. Havia alguns de capas horrorosas, como os do Twisted Sister e todos do Black Sabath, um em especial em que Ozzy segura um rato ou morcego, minha memória anda falha. Eu morria de medo. Porém, papito também sempre adorou os garotos de Liverpool. Tinha LP deles também, junto com Stones e Bowie. Ouvíamos em alguns domingos e se devo minha formação musical a alguém é ao seu Telmo. Sozinha, fui conhecer melhor Ringo, John, Paul e George na adolescência e, vergonha das vergonhas, me aprofundar no quarteto apenas por agora, enquanto termino a biografia de Bob Spitz sobre eles.

Com convicção, enchia a boca pra dizer que Lennon era meu favorito, sempre. E de fato, o acho um baita letrista, assim como compactuo com muitas das declarações que dava nas entrevistas por aí. O que falar do amor do garoto de Liverpool por Yoko? Já quis, já foi dos meus intentos achar uma devoção daquelas. Até que uma aproximação detalhada com a história da banda mudou a forma como eu respondia a tão importante pergunta "qual o seu Beatle favorito?". E foi aí que meu amor pelo rapaz mais quieto, concentrado e espirituoso dos quatro germinou: eu passei a responder George. Foi como virar a casaca, pela primeira vez na vida e não sentir remorso algum por isso.

Talvez porque ando numa fase de muitas descobertas místicas e de como encaro e alimento meu próprio espírito, talvez porque ao conhecer melhor as facetas egoístas e perversas de John e o lado comercial extremo de Paul, gentleman e diplomata mas também competidor de uma vaga direta para líder de rock band, talvez porque não encontrei em Ringo característica alguma que me fizesse sentir empatia. Em Harrison, achei alguém tão preocupado com a qualidade do que produz que poderia ficar dias imersos em notas, melodias, riffs e composições - sim! - porque, afinal, foi um músico completo e compenetrado, divido entre o lado cômico aflorado e despreocupado e uma seriedade que tinha pouquíssimo a ver com a leveza que carregava por dentro.

George era talento e profundidade, preto e branco - nunca, nunquinha cinza - e, com o caminhar dos anos, passou a querer se tornar iluminado. Introduziu os demais Beatles à música indiana, viu que tocava guitarra duzentas vezes melhor que cítara e decidiu que, tudo bem; se era o rock o seu destino, que fosse com um toque de krishna, ao menos. Preterido, foi talhadíssimo em tempos de banda ainda formada pelo Paul e John, monopolizadores no quesito canções. Poucas pessoas sabem, mas Something, While My Guitar Gently Wheeps e Here Comes The Sun foram feitas pelas mãos hábeis desse pisciano dúbio e caçula de uma família humilde de descendência irlandesa. 

A vontade de virar colorada, admito, nunca mais me visitou. Contudo, escutar ao mais tímido dos quatro rapazes ingleses da maior banda de todos os tempos me dá vontade de ir além, de meditar enquanto o sol nasce, mudar pra Suíça - que outro integrante da banda poderia ter escrito Taxman? -  pra não pagar impostos, viver das coisas que a terra dá e regar as minhas plantinhas. Dá um impulso e tanto de crer no otimismo, agradecer a uma força maior, ser devota à minha felicidade e depositar as fichas na liberdade do amor. O menino rebelde de topete, vestido de teddy boy dos anos 60 e o mesmo hippie barbudo de cabelos longos da década seguinte deixam um legado que se assemelha e muito com o que prego nessa vida: tudo passa, mas alguma coisa dos outros sempre fica - no espírito, no ar, na gente. 






Bonzinhos, me desculpem, mas aqui não rola amar vocês

3.23.2015 -


Saí com ele esses dias aí e ao ser confrontada pelas mais próximas sobre que tal o date, me vi falar: ah, ótimo, é gato, bem sucedido, um amor. Mas, muito bonzinho. Tal qual fosse crime da juventude apreciar os bons tratos, como se um desprezo magistral golpeasse bem na artéria certa os próximos encontros todos com o feitiço de fazer não ir pra frente, nunca. Disse pouquíssimas coisas inapropriadas, não ofereceu droga alguma, guardou bem a sexualidade pra que não aflorasse ali, de repente, esqueceu de dizer umas safadezas inadequadas ao pé do ouvido. Bonzinhos, eu peço desculpas, mas aqui não rola amar vocês.

Eu queria, eu queria, eu JURO que queria: ia ser felizona se conseguisse me apaixonar de coração integral por caras estáveis que não somem depois de algumas semanas, que não são adictos de porcaria nenhuma, que não mentem mais pra se proteger que pra salvar a humanidade de ser medíocre. Teria mais paz, manteria minha autoestima intacta, viveria cada dia sem preocupações quando ao futuro, faria da felicidade uma âncora. Algum ímã de positivos me atrai aos indulgentes, bêbados, sabotadores, canalhas, enrolados, bon vivants. Já sentada à espera da próxima volta fica difícil sair dessa montanha-russa sem freios que é o romance levado a seus limites.

Conseguir ficar longe dos irrecuperáveis, egocêntricos, cheios de si, aventureiros e loucos da cabeça, entretanto, é tarefa em vão. O bondoso ali, querendo oferecer café da manhã sem o perigo do veneno, um alívio no cotidiano pesado com contas pagas, casa, comida, roupa lavada. Algum lado meu muito masoquista e doentio - também maléfico e durão - vai lá e esfaqueia as intenções generosas de rapazes apessoados sem dó nem piedade, acha tudo meio ridículo e clichê, sai correndo nu e dopado na direção contrária à calmaria dos amores duradouros. 

Depois de colher as melhores intenções de um jardim florido de elogios escaldantes, agrados insuperáveis e tanta benfeitoria que sou quase capaz de querer morrer, o que me abate é sempre a falta dos papos insanos, de se divertir sem lembrar que existe relógio e sentir a um arrepio que percorre o dorso de norte a sul. De comer queijo enroladinho com goiabada dentro pelada pela casa porque a intimidade do outro é mais camarada que governanta. Poucas conexões são tão crônicas quanto contemplar a sua loucura existindo ali, em frente, viva e com genes masculinos.

Rebelde nata, sei viver de forma muito precária sem a conquista trabalhosa e suas reviravoltas, as conversas safadas, o jeito despretensioso de levar a vida; sucumbo com uma facilidade primária a tudo que se mostra cabeludo e intrincado, tão encravado e sem perspectiva que só um milagre seria capaz de salvar – e se preciso, me torno fanática, religiosa, uma verdadeira carola dos canalhas e cafajestes de plantão. Ocupo bem o cargo de salvadora de pátrias ensandecidas por continuar numa pobreza de sentimentos, lutando pra ver felicidade na solidão, dando mancada atrás de mancada, enviando pedidos de desculpa romantizados pra logo depois ignorar mensagens de resposta. Só é possível me fartar na ilusão idílica que é domar com destreza feras tão arredias quanto euzinha.

Saí com ele esses dias e talvez até saia de novo. Tenho escutado o que as amigas aconselham como "dar uma chance" e tentado colocar em prática, ainda que nada nesse mundo substitua o primeiro contato de enlouquecer, peles que incendeiam e o casulo de borboletas do estômago dando uma festa pesada. Maus caráteres, vocês me perdoem, mas enquanto nenhum de vocês baixa a guarda e caminha do meu lado ao invés de querer tomar a dianteira, vou tentar ver treinar o olho pra achar a graça de uma cama quentinha, noites tranquilas e de beijos na testa antes de dormir. Torço pelo resgate. 



Inferno

3.11.2015 -



Eu vou falar com ele. Decidi, vou sim. Ah, chega dessa palhaçada, pelo amor de deus. Não posso? Quem disse que não? Sim, sim, a tal cartilha da boa mocinha comportada que tem todos os caras na mão sempre. Eu que mal tenho alguns escolhi e tô afim de falar com o Gilberto hoje. Com o Ricardinho amanhã. O Roberto semana que vem. Posso, com toda licença, falar com a criatura? Sei. Tô bem ligada que você pensa que seria uma puta perda de tempo, que eu não deveria. Ele não vai mudar, mas grandes bosta isso também. Que problema tem ir lá, abrir uma porcaria de janelinha, digitar umas coisinhas sem nexo e esperar cheia de adrenalina alguma resposta que nunca vai atingir o meu nível de satisfação? Caso eu queira agir mesmo posso nem avisar do resultado final, sabe disso, né?

Claro, se ele quisesse ele viria. Tá na minha fuça isso. É óbvio que a minha vontade tá num patamar mais elevado que a dele, ou ele pode estar mega ocupado, ou doente, ou viajando. Vai que ele contraiu dengue. Ou, quem sabe, foi morar na China. Pode ser que ele esteja não conseguindo me mandar nada, sempre existe a possibilidade de a pessoa ter sido assaltada. Ter sido presa. Estar em coma. Morta. A gente não sabe. O que eu ganho com isso? Primeiro de tudo, alívio. Segundo, certezas. Terceiro, tempo pra parar de ficar dando alimento a essa minha imaginação já tão obesa e sair com outros caras. Ia ser ótimo, mas não sou essas autocentradas ocupadonas que só pensam em business que conseguem focar em outro assunto qualquer da agenda e pronto, esquecer. Martela na minha cabeça até que a ação tenha tomado a dianteira e feito por mim. Saio por aí com uns duzentos pregos na cabeça e não entendo como não notam a bizarrice.

Gilberto, você tá bem? Gilberto, quanto tempo! Cê tá vivo? A quantas anda aquele piloto pra TV? Então Gilbertinho, vai ficar só curtindo a porra das minhas fotos no Instagram e não me convidar pra porcaria nenhuma nunca? O que você vai fazer hoje à noite, gato? A gente poderia estar transando, Gilberto. Fico feliz que você esteja bem. Tem dias que me pergunto qual o seu problema mental por dar esses perdidos sem nexo e depois penso melhor pra descobrir o meu em ainda querer ver uma vez que outra alguém tão instável. Você já foi tão babaca comigo, Gilberto, e eu já fui tão louca com você que essa coisa de nos falarmos ainda é até meio doentia, não acha? E quanto mais você escorrega eu cato n'água com toda força e afinco pra ver se cato o prêmio mais custoso da festa junina. 

Talvez realmente seja melhor ficar quietinha. Não devo, melhor não. A gente tem que segurar esses impulsos. Bancar a durona, pesar na arte de ser blasé. É, só assim pros homens darem valor. O problema é que sinto preguiça disso. Tédio. Lembra da última vez que saí com o sujeito? Nem foi assim tão “uau, não vivo sem isso”, a gente teve aquela fase distante, ele resolveu que seria uma boa ideia ficar estranho comigo do nada e por coisa nenhuma; eu suspeito que ele seja um palerma, na verdade. Tá chovendo aqui, sempre quando o tempo fica assim a minha carência se multiplica por vinte porque até os pingos todos se acham na colisão do asfalto enquanto comigo é só curva virada. Vai que eu falo e ele não responde. Vai que quebro a cabeça pra mandar algo que ele não ousaria recusar em sã consciência e ele opta por ser ainda mais escroto? Vai que marcamos, ele some e aparece com aquela cara deslavada que eu adoro de barba mal feita e banho tomado no outro dia? Não teria como resistir. 

Ai, guria. Deixa eu mandar? Deixa eu ser ridícula, quero minha história cheinha de casos mal resolvidos com uns amores que a gente fica achando que são gigantes mas no fim da vida vê que o inferno todo era menos que uma titica. O máximo que vai acontecer é eu ficar mal hoje, chorar antes de dormir e acordar ótima amanhã. E leve, essa parte é importante. Achando ele o cara mais otário do mundo, conseguindo odiar Gilberto como já odiei Carlos, Luciano, Foda-se, sabe. O que tenho a perder? O não já tá aqui comigo, sentado do lado, fazendo carão e até pose. Ah, mandei. Que se dane. Já era. Agora caso eu não responda, já sabe: fui ali sumir umas horas pra ele saber que tô ocupada decidindo qualquer outra coisa e vivendo pra caralho pra não parecer louca ou desesperada, ok? Beijos, miga! 


Reler é devorar a cutícula da alma

3.09.2015 -
Na foto, Kate Winslet relendo e se machucando

Acontece quase sempre mais ou menos assim: desce um demo qualquer no formato de ideia e ou sento rápido pra digitar toda aquela úlcera numa tentativa de melhorar, ou tão logo passa, chego em casa e faço qualquer outro serviço banal. Quem escreve há milênios jura que a gente deve deixar caderninho e caneta sempre a postos na cabeceira que é batata – anota-se o esboço e só assim a inspiração retorna do submundo no dia seguinte. Outro na bolsa pra evitar que a ideia pule de nós e se suicide. 

Deixar o sonho vagar é soltar o balãozinho de um gás que nas manhãs de quinta quase sempre me falta. Eu vou comendo as beiradas de todas das minhas unhas na fé de que alguma coisa bem legal pinte no meu cérebro fixada, despretensiosa, animação. Há semanas em que eu sinto a enxurrada de opiniões, desejos e falas entupir todos os bueiros das minhas horas, sempre neurótica. Noutras, nubla e abre sol, eu vou umas três vezes ao mercado, demoro quinze minutos pra escolher uma porcaria de condicionador e seguro o ódio próprio que é gastar pra tapar buracos internos.

Tenho tentado desesperadamente criar rituais que me lembrem da importância da escrita, dessa cura maligna que ao mesmo tempo enfeita e envenena os meus quadrinhos. Essa é a minha chance de contar o lado lânguido da história, de deixar claro que sou gótica porra nenhuma, que a gente poderia estar transando agora - sempre -  mas melhor é que eu fique aqui mesmo com os dicionários, me lambuzando no prazer dos sinônimos, fumando um cigarrinho de chocolate logo depois do orgasmo que é texto pronto. 

Reler, porém, revisar o gozo todo como quem cata pelo em ovo ou tenta descobrir se a transa valeu ou não; dessa dor eu me abstenho. Ou abraço essa menina que escreve verdades e espanta os homens que quer sair pra brincar nos sábados arrastados ou mato essa personagem caricata que uso de máscara mesmo quando ainda não é carnaval.

Escrever é nunca ter as unhas impecavelmente feitas porque é preciso toda hora que se digite, especule, roa, articule. É na ansiedade dos dedinhos rápidos e da mente trabalhando a cem por hora que eu bato carros que não dirijo e me safo sempre sem nenhum arranhão ou mea culpa. É a chance de ser bandida e vilã, redentora e imaculada, kitsch e fina quando se bem entender, em que texto couber. Na faceta que se preferir deixar à mostra.

Hoje eu sei que unhas lascam com facilidade e a mesma louça que dá boas frases de efeito ofusca o brilho do esmalte recém pintado. Há quem mate, quem coma, quem roube, quem meta a boca: a minha paranoia devora com uma vontade assustadora todos os resquícios de carne em volta dos dedos. E pouco lê de novo o que já escreveu pra não sofrer um dobrado e parar por aí. A mesma dá aval a seus dedos para se automutilar é a que segura as pontinhas todas de guardanapos, bloquinhos e frases soltas pelo celular pra não deixar cair forninho nenhum mais tarde; apenas espera a hora do bolo ficar pronto.



Facinha

3.03.2015 -
Calendario Pirelli, década de 70. Calendário oficial das facinhas. 

Tenho muita pouca vergonha nessa cara, aviso logo: sou fácil. Facinha, eles chamam entre eles nas mesas de happy hour, os celulares esfregados na cara uns dos outros. Dou cedo, não possuo nojinhos, falo com quem e quando bem entender, uso o que o espelho diz que cai bem. É ter algo que perfure o visível e ludibrie o imaginário, qualquer coisinha, e me torno mais possível que cio felino. Ser tão simples e direta tem seus percalços, mas a consciência limpinha ainda é o baby-doll mais arejado pras noites de calor. Bancar a durona, blasé e indiferente pode até "apaixonar"os caras, mas tenho certeza que fazer o que quer ainda é dos luxos mais recompensadores.

Flerto em bares sim, dou chance a desconhecidos, aposto as fichas do dia naquilo que tem chance de me fazer mais feliz ali, agora, no imediato. Me encanto em cada coincidência (vejo destino quando convém, só não trago porcaria de amor nenhum de volta). Mato sempre todas as curiosidades que ululam na minha cabecinha pra depois dormir saciada e tranquila, jovial e leviana, mais dona de mim que perdedora de coisa alguma. Moça de família? De duas, mais especificamente. Ainda visito vovó e tomamos chá, ainda brinco com minha irmã menor, ainda converso com meus pais sobre dinheiro e eventuais problemas. Como se ser curiosa e não negar fogo automaticamente me transformassem numa ninfomaníaca depravada que ataca senhores e adolescentes na rua e copula ali mesmo, em frente a todos. Difícil aceitar a alforria alheia quando ainda se é escravo de valores tão arcaicos.

Gosto demais de sexo para lamber os dedos e apagar a chama inicial crepitante, acesa. Muito acessível. Sirigaita. Tem que fazer doce, elas dizem. Esperar uns cinco encontros. As minhas amigas acham que seguram homem negando sexo date atrás de date, mas vêm chorar no meu colo também depois de “usadas” e, horror dos horrores, descartadas. Que mal existe em antecipar o inevitável? Honro muito a honestidade daqueles que se atrevem a transar, pegar, chupar e arder para se sentirem um pouco mais vivos - em especial, daquelas, não é das escolhas mais fáceis. O respeito com que me trato é tão colossal que fica impossível renegar aquilo que a mente processa, a carne pede e a história implora. Segredinho: é libertador viver sem amarras ou culpas que açoitam. 

Escrava da minha vontade e só, pinta um impulso e vou lá: pulo o precipício, chamo às 22h48 de quarta-feira, me torno – com o maior dos prazeres – a sobremesa do horário do almoço. Ajo pra combater a monotonia diária, me movimento pra criar memórias louváveis quando for velhinha. Caso dê vontade de mandar morrer, a mesma coisa. Enorme a preguiça dos jogos todos de sedução que clamam sempre pra que a gente se mantenha ocupadíssima full time e sempre e invente desculpas para os sujeitos continuarem atenciosos ao grande show. Pouco me importa os machistinhas de plantão, sempre revelados uns dias depois, nas mensagens seguintes, na babaquice de começar a tratar feito objeto quem também é humana e aceita seu sangue pulsar. 

Do meu lado, só serve se talvez aparecer um cara tão descomplicado quantos, desses que entenda que estamos todos no mesmo barco: deslanchando entre trabalho, amigos, esportes, festas e família, vivendo umas coisas e vendo no que dá – um querer de cada vez, todos bordados num mapa que pode levar ao tédio, à loucura, mas também ao romance. Ao sentir o cerco fechar sem a minha autorização, contudo, sumo. Zarpo prumas ondas novas onde ainda consiga me sentir fresca logo antes do café. Afinal, não são os homens (a maioria esmagadora, em especial os que se pensam num nível superior) que dizem que aquilo que vem com facilidade assim se esvai também? Trancafiada e sem asas, escolho a fuga ao desmazelo. Faz tempo, mas eu já fui.