Mãe,

8.28.2015 -


Que monstro é esse que pega meu pé por debaixo da cama e faz dizer um monte de impropérios em horas de fúria? Eu sei, sei bem: você pede que esse amigo imaginário fique guardado apenas na minha gaveta mais escura, que enquanto faço exercício e me alimento de forma saudável ele desaparecerá e isso tudo é fruto do pé dessa minha imaginação de solo tão fértil. Eu toco sozinha burocracias que detesto, enfrento uma onde gigante por noite e remo sempre na direção oposta: mãe, se eu aceitar que tenho transtorno bipolar, se eu gritar num megafone vermelho no lugar de esconder atrás da sétima chave dos segredos daqui de dentro, será que você aceita melhor conviver com duas de mim? (Eu me pergunto isso todos os dias, e sangra). 

Mãe, é difícil explicar pra quem nos fez, limpou o bumbum por anos e aceitou na fase espinhenta e rebelde o quanto dói a falta de paz. O quanto machuca esperar por uma estabilidade que quase nunca vem. A angústia dos horários e de não conseguir levantar da cama - logo eu, sempre tão ativa, às vezes hiper, noutras impera, quase nunca passiva - me fazem sentir raiva da pessoa que me torno de tempos em tempos. Depois de semanas de abusos de álcool e boas comidas, afeto sexual e qualquer acolhimento barato, meses de reclusão, regras inoperantes, leseira, frigidez. Nunca me sinto tão viva quanto nos minutos que engano a mim mesma que quero morrer - embora planeje, arquitete, imagine cada frame do filme de horror que se tornaria minha história.

Os dias em que consigo quase sentir a normalidade de não selecionar pensamentos suicidas ou megalomaníacos são sempre os momentos mais azuis do meu caderninho de recordações. São de raros, singelos e de paz - pouquíssimos. Mas mãe, com o tratamento correto eles deixam de se intimidar e vem em maior quantidade, sabendo a dosagem de serotonina ideal, parece até que me pertencem, juro. Deve ser duro aceitar que se criou o caos ao invés de ter dado a luz à sensatez. Eu imagino. Sofro também, porém, me forço a sair da cama, tomar um banho morninho e vestir algo bonito, enquanto penso: "tá tudo bem, eu vou lá, trabalho, volto e durmo mais umas 12h de novo". Não que esteja fácil, mas é assim que tem sido possível.

Mãe, eu me firo porque brigo com a meretriz louca por vida e memórias que urra de um lado e sinto dó do baixinho de voz mansa que me pede pra desacelerar um pouco. É cansativo acompanhar uma mente que não se aquieta, e que, quando o faz, funciona pior que a mais lerda das coberturas 3g da cidade. Dou graças que é o tipo mais brando, agradeço até ao trauma que revelou um pouco mais cedo a condição que hora ou outra teríamos que aceitar. Eu também quero um pouco de calmaria sem tédio, alguém do lado e anos de experiência num emprego massa. Acredita que é possível que, como fazia lá pelos idos de '95, eu te imito. Desmistifica esse diagnóstico comigo que o primeiro passo é sempre o mais complicado, mas é também essencial. Pode ser, mãe?




0 Comentários:

Postar um comentário