Duas de mim

9.22.2015 -

Pensei em começar esse texto me apresentando, como de praxe: nome, idade, onde moro e os demônios todos que encaro dia sim, outro não - ipsis litteris. Contudo, apresentar o transtorno bipolar tipo II talvez seja bem mais eficaz que apenas narrar a minha (angustiada, sonífera, incansável, mórbida de novo) história. Prendam os cintos.

Há semanas em que a Camila ativa se apresenta. Ela ama seu corpo cheio de curvas e sente prazer em se ver de short curto, a cintura delineada, as coxas um pouco bonitas em meias-calças coloridas. Sai pelas ruas de mochila nas costas e cabeça erguida, nariz empinado, olhos no horizonte das nuvens: equilibra com maestria a coroa imaginária que carrega sob os cabelos louros-dourados-cinzas. 

Se é pra encher o copo de cerveja, que seja no mínimo dez vezes. Se for pra ir pra cama com qualquer um, que seja pra transar até pingar suor. Já que é preciso trabalhar, que o esforço recompense com horas intermináveis onde só um cansaço de tremer pálpebras interrompe. Essa Camila é desbocada e intensa, visceral e impetuosa, petulante e assertiva. 

Gosto dela? Acaso não fosse tão "hoje, aqui, agora", quem dera não sentisse o álcool tão encorajador enquanto corre nas veias, os poros do outro tão regeneradores quando faz sexo, a agitação animada quando compra. Fala rápido, se irrita com facilidade, perde as estribeiras, os limites, a mão e os documentos; nada maléfica, totalmente afobada.

Essa Camila sofre? Ô se pena! Quando em mania, mesmo que o mundo pareça um lugar pequeno pra tanta vontade a ser morta, sozinha se vê entediada, cheia de ideias paranoicas e sem paz. E é aí que a Camila deprê faz a sua entrada. Ainda que prefira ficar na coxia, essa versão de mim mesma manhosa, sonolenta e sem desejo algum se alimenta de falhas para ficar no protagonismo cada vez mais tempo. 

Se eu tivesse que nomear uma vilã, seria toda essa passividade da Camila que fala pouco e se esconde da sociedade pra afundar em si própria - é assim que tende a ser, mais tristeza que raros períodos de agitação perturbadora. Ou, se embananar na própria aspiração de dominar o mundo para depois se ressentir de não ter conseguido e hibernar por tempos profundos. No mínimo complicado.

A Camila deprê é estática, vagarosa, quase um vegetal. Os banhos, que tanto ama tomar todo santo dia - às vezes, pela manhã e logo antes de dormir - somem da rotina. Impraticável sair de casa, ver tanta gente pelas ruas, interagir com estranhos. Realizar atividades insuportáveis? Impossível. Dormir, dormir e dormir: é apenas isso que esse protótipo nada eu se materializa. 

A impotência que a mesma deposita sob meu corpo depois se transforma em culpa e ressentimento, burocracias adiadas e mais burocracias para curar estas outras. Ela é expert em bolas de neve e criar situações onde se encasula no momento da resolução. É meio esculhambada e preguiçosa, pessimista e doente; insere a fome de vida nos alimentos e os degusta como se o amanhã tampouco fosse chegar. Se existe uma Camila que me faz querer desistir dos dias, é essazinha. 

Entre o Lúcifer e o demônio, há raras fases onde me sinto no controle das situações e com as rédeas da vida em mãos. Geralmente, é quando estou me tratando. É preciso tirar sangue todo mês? É. É necessário acompanhamento médico? Com certeza. Duro viver à base de estabilizadores de humor? Um pouco. Contudo, eficiente - recompensador, eu diria. 

A bipolaridade, ao passo que é algo seríssimo, é um distúrbio que não merece diminuição e nem status quo. É muito menos problemática que as novelas apresentam, porém, requer mais cuidado ao lidar com alguém tão vulnerável. Meu nome é Camila, eu tenho 23 anos e tenho transtorno bipolar tipo II - o mais brando, contudo, o menos grave, ainda bem. Eu enfrento um demônio por dia, mas trabalho, vou ao mercado, estudo, me relaciono e escrevi até aqui sem extremas emoções. Estou bem.



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