Não uso calça jeans, choco o mundo

Fui uma criança que usava apenas saias e vestidos. Shorts, raramente - e se de cotton. Era coisa de menino, ora pois. Me recusava a vestir em duas pernas uma veste que prendesse os movimentos, tivesse pregas nos pés para prender embaixo, tirasse a feminilidade que fadas, princesas e rainhas nos filmes exibiam: já viram alguma, qualquer uma, destas de calça jeans, de strech, de sarja, que seja? Na minha cabecinha de criança, era um ultraje que me obrigassem a vestir feito quem tem algo mais entre as pernas.

Passados os seis anos iniciais, lentamente fui me convencendo que era normal, talvez, vestir calças e bermudas. Minha mãe acordava do pesadelo de viver em função da compra e lida de meias de lã, poliamida, elastano. Que pouco durou. Comprava calças jeans que não me faziam sentir confortável nunca, nunquinha. Usava até, claro. Algumas era muito bonitas. Contudo, sem a menor vontade: como me sentia livre com as pernas bem separadas e um tecido rente às duas que me liberava os movimentos, não necessitava de bainha e fazia sumir a preocupação de cofrinho de fora ou não, em tempos de ditadura da deselegantíssima cintura baixa.

Anos depois, o trauma mudou: achava lindo nas outras, principalmente de cambitos fininhos, o jeans grudado, de ótimo caimento - algo que fugia à minha realidade gordinha e de pernas ainda mais. Mesmo me aceitando em calças de brim, usava vez ou outra. Até que o charme de meia calça retornou ao meu cotidiano tão forte quanto já houvera sido anos antes, quando eu soprava a velhinha dos sete ou oito. De tudo quanto é cores, das mais variadas texturas e tipos, cortes e desenhos, fui montando uma coleção de calças não tão duráveis, mas charmosas e que me fazem sentir bem. Há mais meninas como eu, sim, e inclusive na Europa: lá, as meias calças possuem até mesmo versões mais reforçadas, o que faz com que muitas aposentem os nem tão revolucionárias mais "dins".

Choco o mundo, não uso calça jeans. Muito raramente, e se pede a ocasião. E só. Saio pra rua me sentindo demônia em último grau, meio máscula e sem conforto algum. Piora se chove, não melhora muito se reina imperativo o sol lá fora: é milagre, dizem os conhecidos ao me ver com o jeans preto, o único que uso e olhe lá. Tenho no máximo três ou quatro peças em azul, e uma que, serve como "balança" - tão durão que é o tecido, sei se as medidas se conservam as mesmas, aumentaram ou diminuíram. As adeptas da veste incompreendem, me julgam, perguntam como fazer em tempos de inverno rigoroso no Rio Grande do Sul - que acaba sendo, quase sempre entre junho e agosto. Lãzinha, meninas. Fleece. Fio 80. Duas dessas juntas. Dá se um jeito, coloca-se um casacão mais comprido e voilà: vestido, saia, shortinho ou bermuda. Pronta pros olhares apavorados nas ruas, bem-estar em vagar por aí em paz recompensa.